A Mulher na Maçonaria brasileira

(Trabalho apresentado no V Congresso Maçônico Internacional de História e Geografia, promovido no Rio de Janeiro, nos dias 9, 10 e 11 de março de 1990, pela Academia Maçônica Brasileira de Letras)

O objetivo deste trabalho é lançar um pouco de luz sobre alguns aspectos históricos mal conhecidos do movimento maçônico feminino no Brasil. Apenas para introduzir o tema, vale a pena recordar as origens desse movimento no contexto mundial.

É bastante conhecido o episódio da iniciação da Srta. Marie Deraismes na Loja Libres Penseurs, dependente do Grande Oriente da França, na cidade de Percq, em 1882, em cerimônia presidida pelo Venerável George Martin.

Essa cerimônia é considerada uma espécie de marco inicial de um movimento progressista e renovador que culminou com a fundação do que se chamou Grande Loja da Maçonaria Simbólica Escocesa "Le Droit Humain" (hoje Ordem Maçônica Mista Internacional "Le Droit Humain"). Posteriormente expandiu-se para um Supremo Conselho Internacional, com sede em Paris. Atualmente está estabelecida em muitos países, onde mantém Federações de Lojas com governo próprio, mas sob a jurisdição do mesmo Supremo Conselho.

A primeira Loja na Inglaterra, como fruto dessa semente, foi fundada em 1902, em Londres, sob o nome Human Duty, e a primeira no Brasil foi instalada em 1919, no Rio de Janeiro, com o nome de Loja Isis.

Menos conhecido, entretanto, é o fato de que, já em 1775, foi eleita a Duquesa de Bourbon Grã Mestra (Venerável) da Loja Santo Antônio, na França, possivelmente sob a inspiração e com a participação do conde Cagliostro, uma figura estranha e controvertida, com certeza vítima de perseguição e calúnia (conforme foi descoberto em pesquisa direta do processo pelo Irmão Franz Hartmann ) . Mas era indiscutivelmente um defensor da presença feminina nas iniciações, conforme prova a criação por ele, em 1786, na cidade de Lyon, do Rito Egípcio da Maçonaria Andrógina, cuja primeira mestre Honorária foi a princesa Lamballe. Em 1786, na Rússia, a Imperatriz Catarina II presidia a Loja Clio.

Entretanto, nenhum maçom culto pode negar que historicamente a Maçonaria é muito anterior ao século XVIII. E houve sempre mulheres participando dos antigos ritos, desde o velho Egito. Existe um mural bastante reproduzido atualmente, que retrata a recepção de um Adepto osiriano, que está na postura exata do grau de Companheiro, numa cerimônia presidida por uma sacerdotisa.

Segundo Gervásio de Figueiredo, autor de um dos mais conceituados Dicionários de Maçonaria: "Se remontarmos a origem da Ordem aos antigos mistérios do Egito, Grécia e Roma, sem esquecer a escola de Pitágoras, fundada em Crotona em 529 ªC., calcada nesses mistérios, e depois difundida pela Grécia, ali encontramos iniciados homens e mulheres, passando todos igualmente pelas mesmas provas e cerimônias"...

"Se, porém, preferirmos encurtar a idade da Maçonaria e situar sua origem nas Corporações Operativas da Idade Média, se então nada descobrimos expresso claramente a favor dessa tese, também nada deparamos contra."... "Há provas de que a Maçonaria Operativa daquela época tinha no mínimo a colaboração feminina. Num documento datado de 1390, em forma de versos, lê-se no art. 10, versos 203 e 204: "que nenhum mestre suplante outro, senão que procedam entre si como IRMÃO E IRMÃ"...

Assim, realmente, a primeira vez que a proibição à mulher surge é no Livro das Constituições, compilado e publicado em 1723 por James Anderson, presbítero anglicano e Grande Vigilante da Grande Loja de Londres – repetida mais tarde no Landmark nº 18 compilado por Mackey em sua Enciclopédia – e que acrescenta as mulheres à mesma categoria dos escravos e dos aleijados para fins de ingresso na Ordem.

Tal proibição, no entanto, não impediu em nada, como se vê, o crescimento das Lojas Mistas ou Femininas e não intimidou os homens de visão em todo o mundo, que não só participaram e freqüentaram tais Lojas, como estimularam e promoveram a fundação de muitas delas. Exemplo disso foi um maçom tão conceituado como Oswald Wirth, sob cuja orientação se faz hoje boa parte da decoração de nossos Templos: ele pertencia e foi fundador de diversas Lojas Mistas no Chile, conforme nos atesta o Ex- Soberano Grande Comendador do Grau 33 da Grande Loja Mista do Chile, nosso ilustre nonagenário Irmão Luís Brucher Encina (hoje falecido), que foi seu contemporâneo e companheiro nas lutas maçônicas desse país durante alguns lustros.

Mas, vejamos como foi que a mulher entrou na Ordem Maçônica no Brasil. Homens de uma extraordinária visão e cultura universal dirigiam os destinos dos então existentes Grande Oriente do Lavradio e Grande Oriente dos Beneditinos. Homens do porte de um Visconde do Rio Branco e Joaquim Saldanha Marinho. A Monarquia agonizava e a Maçonaria lutava em duas frentes: a abolição da escravatura e a preparação da República. Um vento de reformas e mudanças soprava em nosso País. E na província de São Paulo, berço da Independência do Brasil, um fato inédito ocorreu aos 14 dias de janeiro de 1871: um grupo de homens fundou uma loja de mulheres.

A Loja recebeu a designação significativa de 7 de Setembro, foi desde o início uma Loja Capitular e sua primeira Grã Mestra (Venerável) foi a Sra. D. Francisca Carolina de Carvalho, sendo Secretária a Sra. Philadelpha Maria de Oliveira Paes, e Oradora a Sra. Constantina Augusta de Oliveira Campos.

Os fundadores da Loja eram irmãos pertencentes ao quadro das Oficinas Amizade, 7 de Setembro e América, do Grande Oriente dos Beneditinos, mais tarde unido ao Grande Oriente Unido do Lavradio, cuja fusão em 1872 deu origem ao Gr:. Or:. Unido e Supremo Conselho do Brasil.

Em 10 de julho de 1872, a Augusta e Respeitável Loja Capitular 7 de Setembro recebeu uma Comissão de Regularização que, em nome do Grande Oriente Unido do Brasil, concedeu o Breve Constitutivo, em obediência a um decreto de 15 de dezembro de 1871. O presidente da Comissão foi o Venerável da Augusta Respeitável Loja Capitular Amizade, o Ilustre Irmão Dr. Joaquim Augusto de Camargo.

A título de Estatutos da novel "Loja de Adopção", constam dos Anais de 1871 a 74 da Augusta Beneficente e Respeitável Loja Capitular 7 de Setembro, sob os auspícios do Grande Oriente Unido do Brazil, as dispensações regulamentares mandadas observar provisoriamente pelo Grande Inspetor Geral do Grau 33, Antônio Egydio de Moraes.

Em sessão econômica de 20 de abril de 1871, Era Profana, foi concedido ao Respeitável Irmão João Baptista Paes o título de Membro Honorário. Diz a Carta: "A muito Augusta e Respeitável Loja de Adopção 7 de Setembro, tendo na devida consideração vosso reconhecido mérito, serviços e mais qualidades que vos adornam, como signal e prova da sua apreciação e reconhecimento do quanto vos deve como um dos fundadores desta Loja de Senhoras, a primeira em o nosso Paíz ... resolveu conferir-vos o título de Membro Honorário desta Associação Maçônica..." etc.

A Mulher na Maçonaria brasileira

Os discursos proferidos por ocasião do Ato de Regularização foram mandados imprimir e distribuir entre os Irmãos e Irmãs. O discurso do presidente da Comissão de Regularização menciona em seu início: "Os Supremos Poderes da Maçonaria no Brazil, por decreto de 15 de dezembro de 1871, aprovaram a instalação de vossa Oficina, ... AUTORIZANDO A FUNDAÇÃO DE LOJAS DA MAÇONARIA DE ADOPÇÃO NO CÍRCULO DO GRANDE ORIENTE, e pelo breve Constitutivo que vos concede faz certa a vossa emancipação, vossa independência, MANDANDO INCORPORAR VOSSA LOJA NO GRANDE QUADRO DA MAÇONARIA E CONFERINDO-VOS IGUAIS DIREITOS E ATRIBUIÇÕES AOS DAS OFICINAS DE SEU CÍRCULO". E prossegue ele: "ESTÃO POIS NO VOSSO DOMÍNIO TODOS OS SEGREDOS DA MAÇONARIA, TODOS OS SEUS MISTÉRIOS; cuidai deles, sois o mais precioso sacrário de tudo quanto a Maçonaria possui".

O Ilustre Irmão Kurt Prober em seu Cadastro Geral das Lojas Maçônicas do Brasil, nos dá conta que essa Loja 7 de Setembro possuía no Cadastro do Grande Oriente Unido, em 1875, o nº 134, e que em 1878 a Loja era dirigida pela mesma Sra. D. Francisca Carolina de Carvalho, sendo Secretária a Sra. D. Guilhermina de Oliveira Campos. O autor nos dá como DESAPARECIDA a Loja antes de 1882. Não há aparentemente qualquer outro documento da mesma, que relate como foi que isso aconteceu.

O Cadastro de Kurt Prober nos mostra a relação completa das Lojas Femininas fundadas sob a jurisdição do Grande Oriente, seus respectivos números de registro e datas de concessão das Cartas (ou Breves) Constitutivas. São nove ao todo, além da supra-mencionada 7 de Setembro, fundadas entre os anos de 1874 e 1903: Anita Bocayuva, em Campos, Rio de Janeiro; Estrela Fluminense, no Rio de Janeiro; Filhas da Acácia, em Curitiba, Paraná; Filhas de Hiram, em Juiz de Fora, Minas Gerais; Filhas do Progresso, no Rio de Janeiro; Fraternidade, em Bagé, Rio Grande do Sul; Julia Valadares, em São João da Barra, Rio de Janeiro; Perseverança, em Ouro Preto, Minas Gerais; e Theodora, em Barra de Itapemirim, Espírito Santo. Delas, uma foi dissolvida, uma foi eliminada pela Ordem, três outras desapareceram, uma ainda teve seu pedido de regularização indeferido e as três restantes foram sumariamente extintas e suas Cartas Constitutivas cassadas por ato do Grão Mestre Quintino Bocayuva em 25 de setembro de 1903.

Hoje em dia, existem diversas lojas femininas ou mistas por todo o Brasil, que operam de forma independente, ou filiadas a uma potência própria. Adotam ritos idênticos aos das Lojas masculinas e recebem, com gratificante freqüência, a visita de irmãos de todos os Orientes, quando então são revividos com todo o esplendor e beleza as cerimônias que realizavam os antigos maçons do Egito, da Grécia, da Pérsia, de Roma e da Idade Média na Europa.

Observação: Os dados históricos sobre as Lojas Femininas no Brasil, federadas ao Grande Oriente do Brasil, foram colhidos diretamente das suas Atas, e do livro publicado à ocasião da fundação da Augusta e Respeitável Loja Capitular 7 de Setembro, ao Vale de Tabatingüera, 18 -- livro este contendo os discursos proferidos na festiva data. Os arquivos e documentos mencionados se encontram no Museu do Grande Oriente do Brasil em São Paulo, Rua São Joaquim nº 457. Outras informações foram obtidas no Cadastro de Lojas Maçônicas do Brasil, de autoria de Kurt Prober.

Vera Facciollo
Grã-Mestra da GLADA