Integração e suas dimensões: que integração queremos?

A globalização impôs ao mundo inteiro uma nova realidade, sob todos os pontos de vista: cultural, político, militar, econômico, social, tecnológico, turístico, etc.

Não houve tempo para que os países se adaptassem, nada foi proposto à sociedade, nada foi votado, debatido e nem mesmo bem compreendido. Simplesmente, um dia acordamos e descobrimos que o mundo havia mudado.

Esta nova realidade não se compara às Revoluções políticas, sociais, econômicas ou tecnológicas que já ocorreram no mundo. Esta moderna Revolução talvez seja na verdade uma soma de todas as anteriores, devido à abrangência, à profundidade das mudanças e à intensidade e permanência de seus resultados.

O mundo nunca mais será o mesmo. A penetração da tecnologia em todos os setores da sociedade humana nos parece um processo irreversível e impossível de ser detido ou mesmo refreado. Outra característica de tal processo é a sua velocidade. Não nos dão tempo para acostumarmo-nos a um novo recurso técnico, e já nos oferecem outro, mais rápido, mais avançado, mais perfeito, mais simples ou mais dotado.

A Humanidade levou dez mil anos para inventar a roda, mas só precisou de 60 anos para evoluir da carroça de boi para viajar à Lua. A própria ciência avançou tanto que nossos estudantes encontram dificuldades para assimilar os conhecimentos que lhes são exigidos e que ameaçam engoli-los como numa avalanche. Acompanhar as mudanças se tornou um desafio — e às vezes um autêntico pesadelo — para as gerações mais velhas, habituadas a um mundo mais lento, mais tranqüilo e sem dúvida mais natural.

A par das comodidades e facilidades deste admirável mundo novo, somos obrigados a encarar e a conviver com um sem número de situações estranhas — não raro absurdas, hilariantes ou perigosas.

Aprendemos a usar cartõezinhos que substituem o dinheiro — e que nos induzem a gastar mais do que possuímos. Máquinas tomaram o lugar de trabalhadores; computadores assumem as funções antes destinadas a milhares de funcionários, secretárias, telefonistas, carteiros, entregadores, desenhistas, cobradores, projetistas, etc. Um único robô inteligente faz o serviço de vinte ou cinquenta homens, mais rápido, mais perfeito e muito mais barato do que eles fariam. E com isso, o fantasma do desemprego nos assombra como nunca antes na História.

Diante desse quadro, toda a nossa cultura sofreu mudanças radicais. Nosso comportamento mudou, e até mesmo nossa filosofia não é mais a mesma. Talvez tenhamos hoje valores mais humanos do que jamais houve na Terra — pois mesmo a tão proclamada democracia de Atenas era, afinal, uma sociedade escravocrata; defendemos agora, como a mais avançada forma de pensar, o sistema democrático de governo, o direito das minorias, a liberdade de opinião, a autodeterminação dos povos, a tolerância religiosa, a justiça para todos, a abolição de todo tipo de escravidão e dos preconceitos étnicos. Atingimos, com certeza, um patamar importante e bastante elevado na espiral evolutiva, apesar das grandes imperfeições que ainda existem na nossa civilização.

Considero como a característica mais destacada do nosso tempo a capacidade de pensarmos hoje em termos de consciência planetária. Talvez a Ecologia nos tenha indicado o caminho, mostrando, contra todas as crenças de um século atrás, que o clima de uma pequena região do Peru depende de algo tão distante e remoto como as monções na Ásia.

Nada na Terra está realmente separado do resto do mundo. Tudo depende e participa de um intrincado e complexo conjunto, que provavelmente se estende até o infinito, abrangendo outros mundos e outras galáxias. Somos, enfim, parte de um todo. Tal como nos ensina a Yoga, é preciso buscar a união com o Todo, e creio que esta é a verdadeira razão pela qual buscamos formas de integração – é para sentirmo-nos de verdade como parte desse Todo.

Mas para pensarmos em termos de consciência planetária – que poderia ser colocado como o objetivo final da própria espécie humana – será preciso desprendermo-nos dos Egos. Enquanto indivíduos, temos que aprender a pensar na família ou na comunidade; enquanto nações, temos que aprender a pensar na Humanidade. Quanto de nossos Egos estamos dispostos a descartar para atingir as metas globais? Qual o verdadeiro preço da integração? A globalização que tomou conta de todos nós durante o século 20 é o bom caminho para a integração?

Podemos discutir as novas injustiças e perversidades que a globalização trouxe para nosso mundo, mas certamente ela é um caminho para a integração. Caminhamos para o Todo, sem dúvida, e só nos resta consertar os erros do percurso, já que esse caminho nos parece hoje não só irreversível como irrefreável.

É certamente benvinda toda proposta que contribua para minorar as injustiças produzidas por essa integração forçada, não solicitada e que acabou privilegiando alguns em detrimento de outros.

Então, queremos a integração, até porque não há outra maneira de sobreviver. Mas precisamos pensar primeiro no nosso ambiente imediato – o nosso Continente, e é essa a finalidade da Confederação que fundamos -- para mais tarde pensar no conjunto global. Formar um bloco coeso nos fortificará e nos fará capazer de exercer pressão sobre o conjunto e sobre os demais blocos.

Vamos avaliar de modo racional os resultados da globalização e calculemos de que modo ela nos ajuda a alcançar a integração continental.

Não resta dúvida que toda essa transformação representou um avanço notável para a integração a nível mundial. A Internet fez sozinha, em poucos anos, o milagre de integrar, pelo menos em matéria de comunicações, os cinco continentes como nunca antes foi conseguido, nem mesmo com a moderna aviação, nem com as vias atuais de comunicação: o telégrafo, o telefone, ou o correio convencional.

Falar e enviar mensagens em tempo real de qualquer lugar para qualquer outro lugar do mundo é um autêntico milagre de integração mundial.

Entretanto, há outras dimensões da integração mundial que são igualmente e absolutamente necessárias, e elas não estão ocorrendo – nem na velocidade certa, nem da forma desejada – e nem para todos de igual maneira.

É parte do sonho da Maçonaria desde séculos unir toda a Terra através de um governo mundial, representado por todos os povos do orbe; uma língua universal pela qual todos possam entender-se e comunicar-se; uma só moeda, que garanta a eqüidade cambial entre as nações; e finalmente a abolição das fronteiras políticas que hoje representam antes muralhas intransponíveis do que simples linhas divisórias entre países. Tudo isso sem ferir o ideal maior do regime democrático, da auto-determinação dos povos e da liberdade pessoal. Uma tarefa de gigantes, que talvez ainda leve vários séculos para concluir-se.

O que estamos assistindo, todavia, é a formação de grandes blocos político-econômico-militares, e a hegemonia de alguns países demasiado poderosos para que se sintam tranqüilos e seguros todos os demais.

Os blocos que os países não-poderosos conseguiram formar até hoje estão longe de ser unânimes, e deixam lacunas difíceis de preencher. Além disso, certamente é sempre desconfortável participar de um bloco do qual faz parte um ou mais dos poderosos. Lembra-nos a fábula dos animais que fizeram um trato de caçar juntos, repartindo igualmente o resultado, mas onde o leão acaba reclamando para si uma parte muito maior da presa abatida.

Ainda que incompleta e imperfeita, a integração já conseguida mostra seu valor e precisa ser preservada. Mas é nossa missão fazer com que ela se aperfeiçoe e alcance resultados mais justos e no prazo mais curto possível.

Creio ser de pouco resultado reclamarmos das condições do mundo atual, repartido entre potências militares cujo poder de persuasão não pode ser comparado com o de nenhum império terrestre em toda a história humana, em qualquer época de que tenhamos memória. Também julgo pouco prático fazer discursos contra as recentes guerras de conquista, às quais o mundo assiste, entre estarrecido e horrorizado, pela televisão, em tempo real.

Urge tratar de modo prático de integrar nosso continente, e neste exato momento é o que estamos fazendo. Pode parecer uma gota d'água no oceano, mas é precisamente o que deve ser feito, mediante propostas simples, pacíficas e inteligentes, levadas aos governos, às instituições, empresas, organizações não-governamentais e classes dirigentes.

1 - Uma forma importante de integração é o transporte. A Europa conseguiu unir todo o continente através de uma malha ferroviária moderna, rápida, eficiente e razoavelmente barata. Valeria a pena pressionar nossas classes dirigentes para que invistam numa malha ferroviária abrangente, unindo o continente americano de norte a sul, de leste a oeste. É fato que o transporte ferroviário é muito mais econômico que o rodoviário, e com certeza muitíssimo mais barato que o aéreo. Com a imensa vantagem de poder carregar centenas de vezes mais passageiros e carga do que todos os outros meios. A vantagem adicional e não menos importante é poupar um recurso escasso na maioria dos países da América (aí incluída a América do Norte nos tempos atuais), que é o petróleo. O desenvolvimento das rodovias na América do Sul foi motivado pelos interesses econômicos e pelo poderio das mega-empresas petroleiras, cujo reinado já vem durando mais de cem anos, e que tenta prolongar-se através da conquista de terrenos mais dotados dessa riqueza, nem que para isso seja preciso invadir e submeter outros países. Como diz o povo, uniríamos o útil ao agradável se dotássemos nossos países de caminhos de ferro eficientes e modernos: obteríamos uma integração continental e nos libertaríamos de um jugo anacrônico e desnecessário. Também seria de grande ajuda se conseguíssemos estabelecer tarifas baixas ao transporte marítimo, que poderia ser o mais econômico de todos; é preciso que a viagem por mar deixe de ser um caro cruzeiro, privilégio das classes mais altas, para tornar-se um simples e popular meio de viajar para outros lugares.

2 - Integração econômica é a mais difícil de conseguir-se. Não podemos impor a cada país a obrigação de só produzir artigos que os demais países não produzam. Embora se definam comumente as “vocações” naturais dos países, tais classificações estabeleceram já no passado desigualdades típicas dos sistemas colonialistas e impediram ou pelo menos retardaram o desenvolvimento industrial de alguns países sob o argumento de que tinham “vocação agrícola”. Podemos apenas trabalhar com tarifas preferenciais – ou mesmo ausentes – para produtos provenientes dos países do mesmo continente. Isto já vem sendo feito (ou pelo menos tentado) através do Mercosul, porém, como já dissemos, a adesão não é unânime e sofre a pressão de poderes contrários à integração latina. Enquanto não se desenvolver uma Consciência Continental nos governos da América, tal integração continuará sendo um sonho. Seguiremos comprando produtos da China e da Coréia, que inundam nossos mercados a preços de “dumping”, ao invés de dar preferência a produtos nacionais ou de origem continental. É preciso induzir a mudança de mentalidade de nossos consumidores, fazendo-os perceber que com tal atitude ajudamos a gerar empregos no Extremo Oriente, mas aumentamos o desemprego e a pobreza em nosso próprio país e continente.

3 - Integração cultural. Falamos em toda a América Latina apenas dois idiomas, que inclusive são muito parecidos entre si, e esta é uma vantagem que devemos aproveitar ao máximo. Entretanto, poderíamos estimulá-la ainda mais se sugeríssemos o aprendizado da língua portuguesa nas escolas dos países hispânicos e do espanhol nas escolas brasileiras. O intercâmbio de jovens, que neste III Encontro é objeto de nossa especial atenção, pode ser estendido e proposto às autoridades de ensino a fim de tornar-se um hábito generalizado. Conhecer a realidade de outros países -- e ter a oportunidade de neles estabelecer amizades sólidas -- é uma poderosa maneira não só de facilitar a integração, mas também de construir a Paz no mundo. E esse é um dos papéis mais importantes da Maçonaria na Terra.

4 - A criação de um Parlamento Latinoamericano – à semelhança do Parlamento Europeu – pode ser um importante instrumento para a construção da democracia no continente. A existência de um Poder reunido numa Confederação ajudará a eliminar os focos de regimes ditatoriais ainda sobreviventes na América, permitindo aos cidadãos apelar para uma entidade externa em caso de violação flagrante de direitos humanos. O Parlamento Interamericano seria, a nosso ver, a mais séria tentativa de integração do nosso Continente, desde que dotado mais de características jurídico-culturais – diferente da OEA, cujo colorido militar a reveste de um tom leonino de persuasão, que naturalmente fugiria por completo dos propósitos da integração que buscamos.

Vera Facciollo
Grã-Mestra da GLADA

Grande Loja Arquitetos de Aquário
São Paulo – Brasil
Setembro de 2005.
III Encontro da CIMAS - Montevideo